Do mar de além Vem da Colômbia e da Índia vem! Vem como Baco, Solto e inebriado. Traz fauna e flora Num branco lácteo, do mar sem fim, A mim, a mim! Vem com trombeta estridente e fina Pela colina! Vem com tambor a rufar Pela beira-mar! Vem, Primavera! Vem do mar sem fim A mim, a mim! Não faças de conta. Não estou eu pronta? Eu, que espero e conto os dias Que te estendo as mãos vazias. Vem do mar sem fim A mim, a mim! escrito a partir de uma "transfiguração completa" do Hino a Pã de Fernando Pessoa
Reunião às 10 horas no centro do Porto. Centro do Porto significa estacionar a, pelo menos, 500 m do local da reunião. Já em vias de chegar atrasada, saio do carro de gabardina vestida e guarda-chuva em riste. Os 500 metros percorridos são mais do que suficientes para que eu fique com a parte de trás das calças ensopadas e para que o guarda-chuva se vire ao contrário por duas vezes, talvez transtornado pela visão dos 2 cadáveres de indivíduos da sua espécie que jazem no passeio. Chegada ao local de reunião, tento pousar a gabardina e o guarda-chuva de forma a que não molhem os casacos dos outros, sequinhos. (Sim, porque, os "outros" têm direito a lugar na garagem do prédio. Grrrr!) "Ainda não chegou ninguém? Vou tomar um cafézinho." Cruzo-me com uma colega, que me pergunta com um sorriso rasgado: - Então, hoje andas por aqui? - Sim, temos uma reunião. - "Temos"? Eu não tenho nada marcado na minha agenda. Tens a certeza? - Hoje é dia 23, não é? Então, tenho a certeza. - Mas eu hoje não posso. Vamos ter de marcar para outro dia. Marcado o "outro dia", visto a gabardina molhada. Mais uma vez percorro os 500 m debaixo de chuva e sacudida pelo vento. Desta vez, consigo ensopar a parte da frente das calças. Entro no carro e com o guarda-chuva e a gabardina consigo molhar o banco, o volante, o lado interior da porta... "Bem, só vou começar a trabalhar às 11h e já tenho o cafézinho tomado. Há dias que começam bem."
A Primavera entreabriu a porta. Devagarinho. E espreitou. Lá dentro, o Inverno refastelava-se no sofá. Roncava em frente à televisão ligada. - Inverno, Inverno - sussurrou a Primavera - Posso entrar? - Hmmmm? - Posso entrar? - insistiu ela. - Ah, apanhaste-me desprevenido - respondeu o Inverno, tentando disfarçar o sono - Ainda nem fiz as malas. Espera por mim lá fora. Quando estiver pronto para sair, eu chamo-te. A Primavera saiu e sentou-se na soleira da porta. À espera. Tinha tanto que fazer. Afastar as nuvens. Chamar as andorinhas. Florir os campos. E aquele mandrião que nunca mais se decidia a sair... De lá de dentro continuava a vir o som da televisão ligada.
Apesar de, inicialmente, não ter gostado muito de ser comparada com um indivíduo pré-histórico que não sabia ler nem escrever, comunicava por grunhidos e desconhecia conceitos básicos de higiene pessoal, ao que parece "o Homo sapiens surgiu há, pelo menos, 50.000 anos e não temos a mais pequena sombra de prova a favor de algum melhoramento genético desde essa altura. (...) O Cro-Magnon médio poderia, convenientemente treinado, ter manejado computadores como os melhores dentre nós (eles até tinham cérebros um pouco maiores do que os nossos)" (em O Polegar do Panda de Stephen J. Gould, especialista em biologia evolutiva).
Quem costuma usar como insulto "Tens a capacidade intelectual de um Cro-Magnon!" é melhor começar a utilizar outro. Este, pelos vistos, é válido para TOOS nós!
Faz-me alguma impressão a venda de espécies por catálogo. Bactérias Escherichia coli e Campylobacter jejuni em lata. Fungos Hypomyces microspermus e Stachybotrys nephrospora em frasco. Páginas e páginas de vírus animais e vírus de plantas à escolha. Faz-me espécie! (esta expressão nunca foi tão bem aplicada como neste texto) Começo a pensar quanto tempo faltará para que o mamífero Homo sapiens sapiens esteja disponível em lata, frasco ou embalagem tetra pak.
Os peixinhos dourados são 30 vezes mais resistentes às toxinas produzidas pelas cianobactérias* do que os ratinhos. Esta informação não me surpreende absolutamente nada. Dado que os peixinhos dourados passam a sua vida a nadar nos próprios excrementos, não me admira que sejam mais resistentes do que muitas outras espécies.
Ai, os assuntos a que me dedico ultimamente!...
* Cianobactérias (também chamadas algas azuis) são um grupo de microrganismos procariotas, que possuem clorofila a e realizam fotossíntese, e que aparecem frequentemente em águas doces e salgadas. Algumas espécies de cianobactérias podem libertar toxinas, o que pode causar problemas de saúde pública e animal.
Para responder a um capricho de outra pessoa, andei a pesquisar sobre as emissões gasosas expelidas durante a respiração pelo ser humano. Acabei por descobrir que um ser humano adulto expele, em média, 200 mL (ou 200 cm3) de dióxido de carbono (CO2) por minuto! Fazendo as contas, cada um de nós emana para a atmosfera cerca de 105 m3 de CO2 por ano! Apenas pelo simples (e inevitável) acto de respirar.
